imagens, registros e reflexões sobre a versão em HQ de "As Barbas do Imperador" de Lília Moritz Schwarcz

sábado, 10 de dezembro de 2011

resumo da palestra SIB - 08/12/2011

Aqui está um resumo da minha palestra "um quadrinhista na história", parte do evento "IlustraBrasil!", sediado na Matilha Cultural, em São Paulo. Muito obrigado aos que ajudaram e aos que compareceram, enfrentando o trânsito de final de ano, já complicado, agravado ainda pela chuva, festa e passeata na Paulista.
Aos que não puderam ir, ou para quem foi e gostaria de ter um resumo, publico este roteiro. Não o segui fielmente, na hora segui alguns desvios, por improviso ou devido a perguntas interessantes que aparecem.
O texto não é lá essas coisas, são notas que fiz para mim mesmo. Está meio seco e esquemático, vou deixar assim porque a prancheta me chama...

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roteiro palestra SIB:
como recriar o Passado.
1) História: conceito de "o que aconteceu" e "o que acontecia".
"o que aconteceu" = fatos, marcos, mudanças; atos importantes de celebridades, líderes; fatos que não se repetem.
a História como sucessão de acontecimentos, ações e reações, causas e efeitos, progresso, em linha.
(abaixo um exemplo de "o que aconteceu" = o nascimento de d.Pedro II, fato que não se repete)

"o que acontecia" = ações que se repetem, padrões de vida social, costumes, moda, manias; personagens famosos e anônimos;
a História como um lugar no´passado: "no tempo dos romanos", "no tempo dos castelos medievais".
registro do modo que as pessoas viviam.
(na cena abaixo, feita para a versão de Debret para o canal Futura, não está acontecendo nada de importante, é um dia como outros no largo do Paço "no tempo do Rei").

Esta segundo modo de História é essencial ao ilustrador e quadrinhista.
Não é só o pano de fundo: é a matéria mesma da História - a vida, as pessoas - que a "História dos fatos" vai afetar com suas mudanças.
Não é possível ilustrar "o que aconteceu" sem a referência de "o que acontecia" e "como era".
2) ESTILO DE UMA ÉPOCA
"o que acontecia" e "como era" tem uma unidade que se expressa num estilo artístico e arquitetônico,
marca de uma época, design de objetos e armas.
(exemplos: santô e belle époque; debret/djoão/império e estilos neoclássico e romântico).
eu utilizei tanto no desenho da HQ, como no design da capa e molduras.
(abaixo, o "estilo metrô" parisiense, típico da belle Époque - viarada do século XIX para XX, pré-Primeira Guerra mundial, usado em "Santô e os Pais da Aviação").



 3) GEOGRAFIA
Na geografia temos os marcos permanentes. Ou quase, porque de vez em quando demolem um morro e mudam a paisagem...
De qualquer modo, quando represento lugares, tenho em mente o reconhecimento de ver algo familiar, e a surpresa de ver como era diferente. As duas coisas juntas, o permanente e o transitório.
Essa é a graça.
(na cena abaixo, de "D.João Carioca", o Corcovado, sem o Cristo).

4) TECNOLOGIA
transportes; meios de comunicação; iluminação noturna.
Transportes - não só a aparência das coisas é outra; o transporte e a comunicação afetam a noção de tempo
(atravessar o Atlântico em dois meses de navio; receber uma mensagem por um correio a cavalo).
tecnologia militar - armas de fogo, como se atira com um arcabuz ou espingarda de pederneira ou pistola.
Iluminação, fontes de luz: fundamentais para estabelecer o clima de uma época: candeeiros, candelabros, lustres, tochas etc.
calçamento de ruas.
(abaixo, maquetes improvisadas do 14 bis e Demoiselle que usei em "Santô" e um canhãozinho para "D.João").

5) MODA E UNIFORMES
Procuro conhecer a moda geral básica da época.
Ficar íntimo dela, conhecer vários exemplos (e não apenas do meu personagem e do país que estou estudando).
Assim, não vou procurar "moda do Brasil no século XIX", mas a moda européia em geral, nas décadas.
Mesmo que eu tiver uma boa iconografia (ex: Debret), é bom ver como outros artistas mostravam a mesma roupa (nas caricaturas, pinturas e fotografias).
Também é bom assistir filmes que mostrem o mesmo tempo (exemplo: Guerra e Paz, época napoleônica)
Depois, procuro, nas roupas da época, ver que roupa encaixa bem no físico e na personalidade do meu personagem.
Ex: o mesmo uniforme, como veste um soldado:
a) certinho, arrumado, zeloso pelos deveres, "by the book", que segue os regulamentos;
b) acomodado, burocrático, talvez corrupto, que não quer encrenca;
c) fogoso, heróico, de pavio curto;
d) engajado à força no exército;


6) HIERARQUIA E FUNÇÕES SOCIAIS
identificar os papéis na sociedade: quem manda, quem obedece; quem trabalha, quem é servido;
regras sociais de etiqueta; por exemplo, ficar de p[e na sala do trono, ajoelhar diante da passagem do rei pela rua, beijar a mão.
hábitos sociais: andar de braço dado (homens).
Tudo é mostrado: é preciso criar ações que mostrem a importãncia e função dos papéis
(pessoa se curvando respeitosamente).
Roupas que mostrem ou sugiram essas funções.
Criados, empregados, cocheiros, serviçais, secretários: funções de ligação na história - difícil vê-los em pinturas.
Grosso modo, podemos usar nossa experiência moderna para "mapear" o passado:
(vc sempre vai ter: líderes e chefes políticos; polícia ou segurança ou militares; comerciantes; artesãos; funções intelectuais e sacerdotais; trabalhadores braçais trabalhando ou transportando coisas etc)
Mas como se comportam exige pesquisa (gravuras, teatro, cinema etc)
7) TIPOS HUMANOS
Também veremos os mesmos tipos ou a mesma variedade: se tivermos uma coleção básica de tipos humanos,
será fácil desenhar qualquer grupo.
Procuro pensar em opostos: altos e baixos, jovens e moços, crianças e velhos, homens e mulheres;
Baseados na emoção dominante: personalidades expansivas e confiantes X introspectivas;
alegres X severos, carrancudos; descontraídos X formais.


É assim também que crio personagens.
procuro definir que tipo de pessoa ele é;
e a seguir, penso na turma dele, no seu rival ou antagonista, seu parceiro.
Em conjunto, um contrastando com o outro, todos se desenvolvem e se tornam mais nítidos.
Eu conheço cada vez melhor cada personagem (e o leitor também) em contraste com os outros.

7) COMO ORGANIZAR A PESQUISA
Eu sou um pesquisador voraz. É fácil juntar muita informação, especialmente hoje na internet;
é fácil juntar muito dado inútil sobre um assunto, e quase nada sobre outro.
Por isso, recomendo que se faça a pesquisa direcionada pelo roteiro.
Num primeiro momento, pesquisa geral da época: pesquisar "como eram as coisas", mesmo que não tenha relação direta e estrita com os personagens; a tarefa primeira é adquirir familiaridade com aquele mundo.
Depois, seguindo o roteiro mais de perto, procurar apenas as coisas que vão entrar:
Um jeito de simplificar a pesquisa com o ambiente, é concentrar as ações em poucos lugares (se o roteiro permitir), de modo que eu dominar todo o cenário com um olhar.
Chamo isto de "presépio" (*isto esqueci de falar) - esta gravura do Debret é perfeita para isto.
(em vez de visualizar como o blog oferece, clique com o botão direito do mouse e escolha "abrir em uma nova janela" - postei esta aqui bem grande, vale a pena passear e ver os detalhes).

"Presépio": sugiro resumir os ambientes em um cenário reduzido, como se fosse um teatro.
Se a ação acontece em uma cidade como Paris ou Rio, escolher algumas ruas principais.
Isso acontece muito numa produção de filme, por economia.
Na HQ, temos a liberdade de fazer muitas locações diferentes; mas isto amplia muito a pesquisa.
Acho melhor concentrar a ação em uns poucos lugares. É bom para a produção, e também para o leitor, que vai aos poucos reconhecendo os lugares.
Meu Rio de Janeiro imperial se concentra no centro (praça 15) e em alguns palácios.
A Salvador de Jubiabá se concentra no Pelourinho; no bar Lanterna dos Afogados; no morro; numa casa de um bairro rico e mais alguns lugares.
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As minha notas terminam aqui.
Houve várias perguntas interessantes, e uma delas não pude responder, ou melhor, não pude exemplificar com imagens.
Era sobre a diferença entre o meu layout e a arte-final.

Aqui está uma amostra. O layout a lápis, sombreado no Photoshop e com texto  diagramado é o que mostrei para a Lília Schwarcz para sua aprovação. Ela praticamente leu a HQ como será publicada, em termos de narrativa.
Apesar de adiantado, é insuficiente para a finalização. Na hora do nanquim é que percebo os chutes...
Por isso, tudo é redesenhado, preservo mais ou menos a composição, olho de novo o material de pesquisa com olhos mais exigentes, e até surgem algumas idéias novas.
Os balões são feitos à parte, pretendo entregar para a editora em layers (camadas), para que lá possam ajustar ao texto se necessário.
(de novo: em vez de visualizar como o blog oferece, clique com o botão direito do mouse e escolha "abrir em uma nova janela" - postei esta aqui bem grande, vale a pena ver os detalhes).

abraços, spacca


4 comentários:

  1. Caramba!!! Nós os leitores, até imaginamos o trabalho de pesquisa nos bastidores quando a gente pega o livro pronto. Mas, confesso que esse trabalho é muito maior e muito mais minucioso do que eu imaginava.

    Esperando ansiosamente pelo lançamento!

    Parabéns!

    Ah, bem que vc poderia transformar o blog em livro!

    Beijos procê o prá todos aí!

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  2. Parabéns pelo trabalho Tibúrcio, mas... na realidade este seu texto acabou fazendo que eu louvasse ainda mais o trabalho de seu colega Uderzo.

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  3. Explicando o comentário anterior: Tibúrcio enviou o link para este texto. E por falar nisso a testa de meu blog é de autoria daquele ilustrador.

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