imagens, registros e reflexões sobre a versão em HQ de "As Barbas do Imperador" de Lília Moritz Schwarcz

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um detalhe besta. Será?


Eu pensava começar este blog com uma apresentação do projeto, com esboços, didaticamente, na ordem em que foram feitos...
Mas não é assim que acontece.
Enquanto estudava e me preparava para finalizar a HQ, estava mais preocupado em encontrar soluções do que em registrar.
E agora estou bem no meio do tiroteio, no calor da batalha, tentando cumprir a cota semanal que eu mesmo me impus, para honrar o compromisso de entregar pronta a HQ daqui a um ano.



Por isso, publico este primeiro post já com o bonde andando.

Esta ilustração que abre o post é a página 12, onde vemos o "golpe da maioridade" - políticos liberais põem fim à regência e D.Pedro II assume o trono aos 15 anos, três anos antes do previsto.

O detalhe mostra, supostamente, o prédio do Senado, conforme uma gravura que consultei, tanto em livros como na internet.
Mas comparem as duas referências abaixo, primeiro a gravura de Bretichen:




...e a gravura atribuída a N. Whillock (desenhista ou gravador?):


São diferentes, como se o prédio tivesse sofrido uma reforma, uma ampliação.

De fato, o prédio do Senado (outrora Palácio do Conde dos Arcos) sofreu várias reformas (em 1832 desabou o teto; reabriu em 1835 mas teve novas obras, etc). Por quase cem anos abrigou o Senado, que em 1925 vai para o palácio Monroe (demolido em 76) enquanto se construía o palácio Tiradentes.
Mas o edifício ainda existe - abriga a Faculdade de Direito da UFRJ, e a quantidade de janelas (cinco) da fachada que dá para a Praça da República (antigo Campo de Sant'Anna) bate com a gravura de Bretichen, mas não com a que usei, mesmo reformada. Há mais continuidade entre a gravura de Bretichen e o prédio atual.

Nesta gravura, de N. Whillock, o prédio mostra 9 janelas dos dois lados.

O conjunto das três faces visíveis do edifício é semelhante, em forma de "Z", mas a quantidade de janelas e o acabamento superior do edifício destoam tanto da gravura de Bretichen, quanto da fachada atual. Sou levado a crer que Whillock deu uma leve improvisada...
Confiram com estas fotografias do Google Maps e outras mais antigas:



Estas duas mostram o mesmo ângulo aberto, não-reto, da rua Moncorvo Filho:


Nas duas seguintes, vemos a mesma fachada de outro ponto de vista:



Nas duas anteriores, estamos à direita do prédio, em frente à antiga Casa da Moeda (atual Arquivo Nacional), olhando mais ou menos na direção do Corcovado (como podemos conferir pela imagem do Google Earth):

Por isso, embora seja apenas um detalhe, achei melhor redesenhar essa parte do cenário (graças ao milagre do Photoshop, não levou mais do que uma hora), baseando-me na gravura de Bretichen, mas no ângulo que permite mostrar o Corcovado para dar uma orientação reconhecível ao desenho.

Esse prédio aparecerá outras vezes, não me lembro agora se do lado externo, mas mostraremos o interior em pelo menos três ocasiões: no juramento de D.Pedro em 1840, no da Princesa Isabel em 1860 e na assinatura da lei Áurea, em 1888.

Não é nada assim tão importante que modifique o teor dos acontecimentos...

É apenas um prédio; bastaria dizer que ali funciona o Senado, e a maioria dos leitores sequer iria duvidar disso - e na hipótese remota de que um estudante de Direito da UFRJ, que soubesse que aquele prédio foi sede do Senado no Império, se desse ao trabalho de comparar a quantidade de janelas com o meu desenho, eu poderia sempre usar a desculpa de que me baseei num documento histórico, a gravura de Whillock (terá sido um projeto?).

Porém, percebo que é um bom hábito perseguir o real, e se não conseguimos o real, pelo menos o plausível, o que poderia ser real, o que se harmoniza com o que sabemos ser verdade.

E o real é onde os nexos se encontram: uma gravura se encaixa numa foto antiga, a foto antiga se encaixa numa foto moderna, a foto moderna se encaixa numa simulação virtual alimentada com dados reais, e todas essas informações se coerenciam entre si, de modo que uma nova informação, se duvidosa, logo salta aos olhos quando comparada com o edifício de informações confirmadas que pouco a pouco construímos - sólido como as paredes do velho Senado que ainda sustentam os andares superiores da Faculdade de Direito.

Cada detalhe besta é um tijolo...